Saturday, November 18, 2006

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Comentario do professor Paulo Rückert


“A psicanálise [...] revolucionou a imagem que tínhamos da pessoa.”
“Orar é, sem dúvida, um assunto difícil. Pelo menos orar de modo sadio e maduro.”
“Nossa fala com Deus, seja de que modo for, não pode partir senão de nosso mundo interior.”
As representações de Deus – elaboradas pelo nosso imaginário – “levantam-se como barreiras contra a presença de Deus e como impedimento de sua livre intervenção”.
Inácio de Loyola observou que a maioria das pessoas que ora está iludida.
Muitas pessoas fervorosas “se transformam em pessoas intolerantes, fechadas, descomprometidas”.
“Igualmente podemos constatar o contrário. A atividade da oração transforma muitas pessoas em seres mais integrados, profundos, pacíficos, compreensivos, tolerantes e abertos aos demais. Também em outros casos os torna mais livres, audazes e proféticos, até mesmo criativos e felizes.”
“Como muito bem expressou J. Martín Velasco, a raiz comum a todas as orações estaria na consciência por parte do homem da presença do mistério, bem como no acolhimento dessa presença. Mistério que, de um modo ou de outro, é sempre concebido como uma realidade totalmente transcendente ao homem.”
Nas religiões de caráter profético, a relação com o Mistério se expressa como vínculo interpessoal, diálogo, invocação, fé e confiança.
Nas religiões de caráter místico, a relação com o Mistério se expressa mediante a contemplação e a meditação.
Freud mostrou que a experiência religiosa é um terreno fértil para
- o desenvolvimento de todo tipo de fantasia infantil, e
- a manutenção de determinadas estruturas neuróticas.
As dificuldades na oração têm a ver com a nossa identidade cristã em nossa vida social.
“A vida tal qual nos foi imposta é demasiadamente dura.”
“A relação com a natureza é difícil.”
Desejamos uma situação ideal “para evitar outras muitas experiências de frustração, de dor e, em suma, de infelicidade”.
Deparamo-nos com limitações e sofrimentos que a sociedade nos impõe.
Também nos defrontamos com os sofrimentos psíquicos. O Id é o princípio do prazer. O Ego é o princípio da realidade. O Superego é o princípio da moralidade.
“E o fracasso do Ego acaba em angústia. Angústia real – como detalha Freud – diante da realidade exterior; angústia moral diante do Superego; angústia neurótica diante das pressões do Id.”
Viver é descobrir “que os paraísos infantis vão se derrubando progressivamente”.
“Todavia, o desejo está sempre lá, perene em sua aspiração à felicidade.”
Buscamos “o ilusório, portanto, como algo que acoberta frustrações e como alívio das dores”.
Freud observa que o homem “está condenado a adoecer de ilusões”. E a religião oferece um remédio à dor e um alívio à insatisfação.
O homem adulto precisa se defrontar com o desamparo que experimenta diante da vida.
“O motor da ilusão é o desejo, e é aí que encontra, como o sonho ou o delírio, toda a sua força e capacidade de resistir à realidade.”
“O que caracteriza e marca a ilusão não é sua oposição à verdade, mas o menosprezo que demonstra diante das condições da realidade, levada por sua atenção exclusiva ao mundo dos desejos.”
Refugiando-se no ilusório torna-se “possível um mundo ao contrário”.
Por trás das ilusões religiosas, Freud observou a presença da culpa.
O Deus trágico só permite a existência como dependência, submissão e subjugação.
A representação da totalidade acaba ativando a ambivalência dos afetos. A pessoa ama e odeia a Deus ao mesmo tempo. E a culpa provoca o “retorno desse ódio sobre a própria pessoa”. É a dinâmica da ambivalência, desenvolvendo-se a “expressão do ódio e do amor diante do pai imaginário da religião”.
O prazer torna-se problemático. “E uma corrente de culpa e autodestruição se imporá”.
Desenvolve-se a convicção de que o “Deus ilusório do providencialismo mágico” deverá atender todos os pedidos. E assim, “a experiência religiosa pode cumprir a função de manter intata em seu nível inconsciente toda uma série de conflitos de origem infantil que se pretende eliminar da consciência”.
Os dois questionamentos fundamentais que Freud propôs ao homem religio
- Deus da ilusão,
- Deus dramático da ambivalência afetiva (amor e ódio).
Os dois questionamentos são “a expressão de uma resistência do desejo a se deixar limitar pelas restrições da realidade”.
“Existe, com efeito, uma profunda resistência a abandonar a primazia do desejo sobre a realidade”. A realidade nos defronta com uma inevitável limitação quanto à nossa origem, nosso desenvolvimento e nosso fim como parte da condição humana.
“A onipotência do pensamento apresenta-se, então, como uma expressão do narcisismo infantil”. Freud observou que o neurótico só considera eficaz o que ele previamente pensou e sentiu. A pretensão do indivíduo é ter uma influência direta sobre a vontade divina e, com isso, uma participação em sua onipotência. Nesse caso, a oração corresponde à ação mágica primitiva que tenta provocar chuva. É uma atitude com a qual o indivíduo se reserva o poder de ter influência sobre os deuses de modo a fazê-los atuar conforme os seus desejos. É uma “defesa mágica diante de uma realidade avassaladora”.
O indivíduo procuraria “uma medida de defesa e de proteção mágica, não apenas diante de uma realidade exterior ameaçadora, mas também diante da perigosa realidade interior nos eventuais assaltos dos impulsos reprimidos no nível inconsciente”.
“A maturidade da pessoa, pelo contrário, passa indubitavelmente pela renúncia a essa primazia do mundo dos desejos sobre o da realidade.”
É importante salientar “que a psicanálise posterior a Freud modificou sua visão sobre a experiência religiosa em geral e a oração em particular”.
A visão pessoal de Freud era dependente do racionalismo e do positivismo materialista. “Analistas posteriores, alheios a essas determinações ideológicas, puderam considerar o espaço da religiosidade numa perspectiva mais ampla e complexa.”
Lou Andrea Salomé “julgou por demais estreita a visão de Freud sobre a crença religiosa”. Ela mostrou a Freud que “a religião poderia ser considerada a experiência de uma confiança básica e inata na vida. A resposta de Freud mostrou que seu pensamento estava determinado pelo racionalismo positivista. Ele queria “destruir tanto suas próprias e perniciosas ilusões como as da humanidade”.
A psicanálise posterior a Freud observou que o fundador “simplifica de modo considerável a idéia religiosa de Deus”.
A psicanálise posterior a Freud entendeu o campo do ilusório “como uma dimensão essencial do psiquismo humano”.
“A era pós-freudiana, nesse sentido, não se sente pressionada a destruir as ilusões dos homens.” A ilusão é considerada um “domínio em que a pessoa pode se expressar de um modo fundamental”. A ilusão “encontra suas melhores expressões no jogo da criatividade”.
“Na satisfação das necessidades primárias do bebê, a mãe vai tornando possível que a criança tome consciência de si como pessoa separada dos outros.” A mãe vai “possibilitando o acesso à realidade exterior”. Mas o acesso à realidade circunstante só é possível mediante “a capacidade de fantasiar sobre ela”. Trata-se de um fenômeno transicional “entre a pura subjetividade e a experiência de relação com o outro”. Objetos reais (como o ursinho de pelúcia) vão “adquirindo forte carga simbólica”.
Winnicott observou que “os fenômenos transicionais desempenham também um papel decisivo e variado na vida adulta e constituem algo inerente a toda cultura, particularmente no que diz respeito à criação artística e à expressão religiosa”.
Pruyser desenvolveu “o enfoque cultural da psicanálise de Winnicott”. Falou do “mundo ilusionista” como sendo uma “posição intermédia entre o mundo autista e o mundo real”.
“O eu da pessoa adulta” experimenta um “intercâmbio entre mundo interno e mundo externo”. “E é assim que todo ser humano vai criando seu peculiar sentido de realidade.”
“A ilusão adquire assim novo sentido, bem diferente do que lhe atribuiu Freud a partir de suas posições positivistas e anti-religiosas.”
A “ilusão serve para desenvolver ideais e importantes propósitos vitais”.
Freud considerou a ilusão “simples resistência do princípio do prazer diante da realidade”.
Winnicott entende a ilusão “como possível fonte de criatividade”.
“A ilusão, portanto, pode ser concebida como um modo de transição para a realidade e não como um simples impedimento a experimentá-la.”
“A religião, mais em particular, tem uma função semelhante à do objeto transicional: consola e protege; cria uma área de experiência ilusória intermediária que ajuda a formar uma ponte entre a realidade interna e a realidade externa. Como analisou W. W. Meissner na perspectiva de Winnicott, a fé, as representações de Deus, o uso de símbolos e sinais religiosos, bem como a oração devem ser levados em conta como importantes fenômenos transicionais na vida do homem.”
“Assim, a análise freudiana sobre a crença religiosa precisa ser contextualizada e completada.”
Três fontes são “básicas na gênese da representação psíquica de Deus”:
- o primeiro desenvolvimento do eu;
- o papel desempenhado pela figura da mãe;
- as funções exercidas pela figura paterna.


O Deus da onipotência narcisista.
“O primeiro núcleo psíquico que condicionará nossa idéia de Deus deve ser localizado nos primeiros processos de formação do eu. O recém-nascido vive numa situação de “narcisismo primário” (Freud). Para o bebê, ele é tudo. E tudo é ele.
O bebê vai experimentando “uma progressiva diferenciação entre si mesmo e a realidade circunstante”.
“Essas primeiras fases do psiquismo, tão ligadas ao narcisismo e à primeira diferenciação de si mesmo, são as que a psicologia da religião considerou determinantes de aspectos básicos da experiência religiosa.”
“A comunhão, mais que a comunicação, é a modalidade básica da relação com o divino.”
Quando “essas primeira fases da evolução psíquica não se desenvolvem de um modo suficientemente harmônico, estão sendo lançadas as bases para dar origem a certas patologias religiosas”, como o fundamentalismo e o fanatismo, que são uma “tentativa de compensar feridas e carências”. “Deus seria identificado com os primeiros sentimentos de onipotência que caracterizam essa situação de radical narcisismo infantil.”

O Deus da totalidade materna.
Em seu processo de desenvolvimento, “o recém-nascido evolui para o reconhecimento da figura materna como entidade à parte”.
“Todavia, mantém-se uma predominância da subjetividade, que transforma esse outro em pura ocasião para a satisfação das próprias necessidades e desejos."
“Essa relação de empatia mãe-filho apresenta-se como o fundamento da segurança básica da personalidade.”
“Essa relação primária [...] virá a se converter no fundamento da confiança básica do sujeito em si mesmo, na vida e diante dos demais.”
“Essa situação [...] supõe uma relação de fusão e prazer com um todo que prefigura a totalidade do sagrado.” A aspiração à totalidade é denominada de dimensão oceânica. O sentimento oceânico é o desejo estar imerso em Deus.

O Deus da onipotência paterna.
A simbiose com a mãe “terá de ser superada para facilitar a progressiva [...] aquisição de um eu autônomo e a capacidade de estabelecer uma relação com um autêntico tu, independente e livre. É isso que se dá com a intervenção do símbolo paterno.”
Pela mediação do pai “torna-se possível o nascimento de um autêntico eu que [...] pode se situar diante de um tu”.
“O paterno surge assim como símbolo de uma lei”.
“No complexo de Édipo, com efeito, a criança tem de enfrentar a Lei, ou seja, a limitação de seu desejo ilimitado. E na resolução do conflito a onipotência tem de se dar irremediavelmente perdida.”
“Não é de estranhar, pois, que o sentimento religioso, tão intimamente ligado a essas primeiras situações que estruturam o sujeito, manifeste-se como um sentimento de caráter primordialmente filial.”

Resumo da primeira parte do livro - elaborado por Paulo Roberto Rückert.